Vivemos numa sociedade global, em que as mídias sociais têm atingido amplos níveis, encurtando distâncias, chegando mais rápido ao coração das pessoas. Porém, nesse novo cenário, a visão das pessoas se ofusca ante a vastidão de informação. Além disso, quando as mídias estão atreladas ao sistema hegemônico, distorcem a informação para garantir domínio do sistema. A consequência é que quase não mais conseguimos distinguir o bem do mal.
De alguma forma, ficamos surdos e mudos e gagos diante de tanta ignorância. Quase ninguém mais escuta os gritos dos pobres; dos que têm fome; dos que são injustiçados, escravizados; o grito das crianças e mulheres violentadas; o grito da terra e da natureza explorada. Para contrariar esse sistema de morte, é imperativo que se abram nossos ouvidos e se solte nossa língua. É mister ser curados por Jesus para recuperar o poder da palavra. Nossa autoridade não precisa ser fiscalizada, mas acreditada que somente desejamos fazer o bem, sem olharmos a quem. Nenhuma barreira cultural ou religiosa pode impedir a difusão do evangelho, a boa notícia que, de fato, comunica vida.
No Oriente Antigo, a palavra tinha um poder que chegava a repercutir nas realidades das coisas da vida. Era como se tivesse uma força de destruição e uma força de vida. Isso nos ajuda a compreender o que os evangelhos querem dizer quando neles se indicam a força e a eficácia que tinha a palavra de Jesus.
Em Jesus, o dizer e o fazer se identificavam e se fundiam de tal forma e tal extremo que o que Ele dizia e o que fazia dava vida e libertava as pessoas de seus males. A unidade da palavra e da ação consiste em que Jesus mesmo é a “Palavra de Deus” (Jo 1,1). Em Jesus Deus se expressa e se dá a conhecer. Por isso nele se manifesta a força de vida, de saúde, de plenitude da existência. “Colocou os dedos nas orelhas dele e, com a saliva, tocou-lhe a língua. Depois, levantando os olhos para o céu, disse: ‘Effatha’, que quer dizer ‘Abre-te!’” (vv. 33-34).
O gesto de Jesus, segundo alguns estudiosos, é ritual simbolizando o processo de cura do surdo mudo. As ações realizadas por Jesus (Ele o levou à parte, colocou os dedos nas orelhas, com saliva lhe tocou a língua, levantou olhos ao céu, gemeu e falou) devem ser compreendidas no marco bíblico e sociocultural da época. A expressão idiomática “a sós” ocorre frequentemente em Marcos, em cenas nas quais os discípulos estão a sós com Jesus (cf. Mc 4,34; 6,31-32; 9,2-28; 13,3). Nesse trecho, é a única vez que essa expressão é usada com outra pessoa.
Naquela época, atribuía-se poder curativo à saliva, sobretudo a saliva das pessoas influentes. Por isso, cuspir nas partes enfermas era algo comum naquela época de Jesus. O gesto de levantar os olhos é realizado quando Jesus quer estabelecer um diálogo com o Pai Celestial (Mc 6,41). O gemido é sinal de quem está em profunda oração.
Além dos gestos, Jesus pronuncia uma palavra “Effatha”, que o autor traduz como “Que se abra”. Pelo fato de o verbo aramaico effatha estar no singular, acredita-se que a expressão esteja dirigida à totalidade do homem e não somente aos órgãos da palavra e audição. A expressão “e falava corretamente” confirma a inserção dele no grupo com o qual se poderia comunicar. Porém, agora que o homem podia se comunicar, Jesus pediu às testemunhas não falar. Porém eles, ao invés de calarem-se, apregoam as maravilhas que Jesus realizava: “Ele fez tudo bem…”. Nessa afirmação, encontra-se o reconhecimento do cumprimento da profecia anunciada em Isaías 35,5. O interessante é que, nesta ocasião, a proclamação é feita pelos gentios e não pelo povo da Aliança. Dessa forma, Marcos dá um giro ao exclusivismo Isaiano.
A difusão da boa notícia sobre Jesus não é exclusividade de um grupo seleto e não pode ser contida; ela deve ser proclamada. Que, como o surdo, também nós nos sintamos encontrados, reconhecidos, resgatados, acreditados, tocados por Jesus para que nos abramos a uma nova sabedoria e a um novo entendimento. E que, maravilhados pela ação recriadora de Jesus, proclamemos com nossas vidas: “Ele fez tudo bem; faz tanto os surdos ouvirem como os mudos falarem”. Hoje, como ontem, Jesus vem em nosso auxílio e, impondo a mão sobre nós, abre os nossos ouvidos espirituais e nos faz falar de coisas misteriosas que o nosso coração nos revela.
A conclusão queridos irmãos e irmãs é muito significativa, pois associa a obra de Jesus à criação: “Muito impressionados, diziam: “Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (v. 37). Ora, fazer bem todas as coisas é a característica do Deus Criador que, ao final de cada obra criada, contemplava que aquilo era muito bom (cf. Gn 1). Fazer bem as coisas é, portanto, agir como Deus. Fazer os surdos ouvir e os mudos falar é a realização das expectativas messiânicas anunciadas pelo profeta Isaías (cf. Is 35,5), o que significa uma nova criação. Assim, Jesus, restituindo a vida e a dignidade àquele homem, re-cria à imagem do Pai, fazendo bem, e elevando a criação a sua máxima realização.
Como destinatários do evangelho, hoje, somos chamados, antes de tudo, a permitir que sejam escancarados nossos ouvidos a tudo o que Jesus ensinou, para que, vivendo tudo isso, seja autêntico o nosso anúncio e a certeza do nosso sim. Como comunidade de fé, devemos promover a libertação em todas as instâncias, sobretudo, identificando na multidão, quem necessita de cuidado e atenção especiais, como fez Jesus com o homem surdo que falava com dificuldade. Que a ordem “abri-te” continue ecoando, para tornar nossas comunidades mais acolhedoras, compreensivas, inclusivas e abertas.
Direto da Redação – Diocese da IVCM em Pouso Alegre/MG
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